“Se ele cita senador, eu sou um dos citados”, diz senador padrinho de alvo da PF
Senador Angelo Coronel foi quem indicou chefe do Dnocs na Bahia que aparece em áudio da PF com receio de decisão do STF
atualizado
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Padrinho político do coordenador do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs) na Bahia, o senador Angelo Coronel (PSD-BA) disse à coluna que pode ser o citado na conversa gravada pela Polícia Federal (PF) na Operação Overclean.
Como mostrou a coluna, a gravação mostra Rafael Guimarães, chefe do Dnocs na Bahia, em conversa com o empresário Alex Parente. Rafael foi alvo de busca, e Alex acabou preso na primeira fase da Overclean.
Na conversa, o coordenador do Dnocs na Bahia se diz preocupado com “muito dinheiro” de um senador que poderia ser bloqueado por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF).
O chefe do Dnocs na Bahia e o empresário dono da Allpha Pavimentações mostram preocupação com as decisões de Dino que, em agosto de 2024, bloquearam os pagamentos de emendas e cobraram transparência do Congresso.
A Allpha Pavimentações é investigada na Overclean e tem mais de R$ 150 milhões em contratos com o Dnocs, a maioria custeado com dinheiro de emendas do relator, o chamado orçamento secreto.
Após dizer ao empresário sua preocupação com a decisão, Rafael Guimarães afirma que muitas obras conduzidas pela autarquia comandada por ele eram relacionadas com emendas parlamentares.
Como Parente tenta tranquilizá-lo, o chefe no Dnocs insiste na preocupação, diz que tem muita pressão e afirma que se trata de “emenda do senador” e “muito recurso, muito dinheiro do senador”.
“Todas (emendas), todas, entendeu? Não tem TED, mas a maioria TED foi equipamentos. Obra, que deu [inaudível] foi emenda. Emenda do senador, inclusive. Muitos recursos, dinheiro do senador. Então, velho, preocupado, porque… Muita, muita, muita pressão aí, velho”, afirma o chefe do Dnocs.
Na conversa não fica exposto quem seria o senador. A coluna procurou o chefe do Dnocs e enviou questionamentos sobre a identidade do senador citado, mas não obteve resposta.
Rafael Guimarães, no entanto, foi indicado para a chefia do Dnocs pelo senador Angelo Coronel.
A coluna procurou o senador. Em uma conversa em seu gabinete, Angelo Coronel confirmou a indicação e defendeu Rafael Guimarães das suspeitas de envolvimento no esquema investigado na Overclean.
“Ainda acho que é uma pessoa séria, a Polícia Federal não teve nenhuma prisão dele, então até que me prove o contrário, a pessoa pra mim é inocente”, disse.
Questionado se ele seria o senador citado por Rafael na conversa com o empresário investigado pela PF, Angelo Coronel disse que sim, que poderia ser um dos citados e que enviou emendas para o Dnocs, em 2020.
“Eu coloquei emenda. Se ele cita senador, eu sou um dos citados, porque eu coloquei. As minhas todas colocadas nos órgãos, tá tudo lá”, afirmou.
O senador, contudo, não é alvo da Operação Overclean, tampouco é investigado no caso. O gabinete de Angelo Coronel afirmou à coluna, ainda, que as indicações de 2020 foram realizadas, mas o dinheiro não saiu. Ou seja, “não teve indicação de recursos da parte dele diretamente ao Dnocs”.
Sobre a suposta pressão sofrida pelo chefe do Dnocs, o senador disse que isso era comum, uma vez que os parlamentares querem ver os valores destinados via emendas serem empregados nas obras.
“Por exemplo, eu pressionava. Todos os parlamentares ‘Cadê a obra? Cadê a obra? Cadê a obra?’ Entendeu? E a obra não saía, então ele ficava preocupado com o quê? O senador, ou deputado A, B, C ou D botou o recurso. Mas você bota o recurso, não é lá. O recurso sai daqui. E o recurso não está chegando lá. Entendeu?”, disse à coluna.
Angelo Coronel negou, no entanto, qualquer relação com Alex Parente e a Allpha Pavimentações.
“Não. Não sei nem quem é. Eu tenho até curiosidade de conhecer, porque não sei quem é. É que, sabe, podem votar em mim para senador (risos)”, disse sobre os irmãos Alex e Fabio Parente.
Sobre a Allpha, o senador afirma que não indica a construtora, que apenas coloca o dinheiro no Dnocs.
“Zero, zero, zero. Não conheço ele e também não destinei nenhuma emenda. A gente não indica a construtora. Você bota o dinheiro no Dnocs, e ele pega uma lista de todas as empresas que deram ata”, disse.

Leia trecho da entrevista do senador à coluna
O senador que o Rafael cita no áudio é o senhor?
Eu coloquei emenda no Dnocs…
Mas é o senhor a quem ele se refere?
Eu coloquei emenda. Se ele cita “senador”, eu sou um dos citados, porque eu coloquei […] As minhas todas colocadas nos órgãos, tá tudo lá.
Em 2020?
É, seis anos está fazendo.. foi em 2020.
O senhor fez indicações para obras envolvendo a Allpha?
Nenhuma emenda nossa caiu na mão dessa empresa que está sendo citada. Zero.
A Allpha do Alex é do Fábio Parente…
Zero, zero, zero. Não conheço ele e também não destinei nenhuma emenda. A gente não indica a construtora. Você bota o dinheiro no Dnocs, e ele pega uma lista de todas as empresas que deram ata.
Naquelas atas, ele pega a empresa A, a empresa B, a empresa C e bota para fazer aquelas respectivas obras. Com sorte minha, eles não fizeram nenhuma obra minha. Foi tudo equipamento e poço artesiano, que também são empresas que perfuram o poço para a água.
O senhor conhece o Alex e o Fabio Parente?
Não. Não sei nem quem é. Eu tenho até curiosidade de conhecer, porque não sei quem é. É que, sabe, podem votar em mim para senador (risos).
E o Marcos Moura, conhecido como Rei do lixo. O senhor o conhece?
Todo mundo conhece na Bahia.
Você conhece ele pessoalmente? Tem alguma relação com ele?
Conheço, mas não tenho nenhuma relação com ele […] Ele é de um outro grupo político. Então não tenho ligação. Não tenho nenhum negócio com ele.
E a citação no áudio?
Você sabe o que é o TED? Tem gente que acha que é da época do banco, mas não tem nada a ver. O que acontece é o seguinte: por exemplo, eu botei [hipoteticamente] R$ 20 milhões de emenda para o Dnocs. Aí o Dnocs tem lá a ata, e vamos supor que ele escolheu essa empresa do Alex.
Aí o Alex vai pro Dnocs e procura: “Rafael, eu quero começar as obras. Como é que eu posso começar sem TED?”.
Eu estou entendendo, desde o primeiro áudio, e ele me disse que tentou transmitir isso, palavra dele para mim, dizendo que, quando as pessoas procuravam ele para começar a obra, já que estava contratado, ele segurava porque o dinheiro não tinha entrado.
E por isso que ele estaria preocupado?
Exatamente. Por exemplo, eu pressionava. Todos os parlamentares “Cadê a obra? Cadê a obra? Cadê a obra?” Entendeu? E a obra não saía, então ele ficava preocupado com o quê? O senador, ou deputado A, B, C ou D botou o recurso. Mas você bota o recurso, não é lá. O recurso sai daqui. E o recurso não está chegando lá. Entendeu?
Quando a gente bota uma emenda aqui, e o cara demora lá, a gente vai para cima. A gente pressiona mesmo.
O senhor já foi cobrar ele de alguma?
Já cobrei. Eu cobro de qualquer órgão. Se eu botei o dinheiro lá e demora, eu cobro. Eu cobro, sim.
Mas o senhor cobrou especificamente o Rafael?
Logo no início, quando ele assumiu, quando ele ainda estava verde. Mas o recurso chegou, o prefeito tá pedindo a obra, aí a gente cobrava. O prefeito está pedindo a obra. Aí a gente cobrava. Cobrava praticamente.

Overclean
A investigação teve início para apurar desvios em um contrato do Dnocs, mas expandiu seu foco após quebras de sigilo telemático e gravações ambientais mostrarem atuação de um grupo de empresas em contratos milionários firmados com o governo federal e com istrações estaduais e municipais.
São investigados os crimes de organização criminosa, lavagem de dinheiro, corrupção e fraude licitatória.
A terceira e mais recente fase da operação foi deflagrada no início de abril, com o objetivo de apurar supostos crimes de obstrução de Justiça. Ela foi a primeira depois de o caso subir para o STF, após citações ao deputado Elmar Nascimento (União Brasil-BA).
Enquanto nas primeiras fases os investigadores focaram em como as fraudes ocorreram no direcionamento dos contratos nas cidades e nos órgãos federais, a última investida da Overclean começou a apontar para os tentáculos do grupo no executivo federal, partidos políticos e operadores financeiros.
Os investigadores se valeram, nessa fase, de conversas apreendidas nos celulares nas duas primeiras fases, dados enviados pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), depoimentos e interceptações telefônicas.
Foram alvo, mais uma vez, integrantes da família Parente, um lobista do esquema e o empresário José Marcos Moura, conhecido como Rei do Lixo na Bahia. Marcos Moura é apontado como o braço político do grupo pela PF.
Uma das novidades da 3ª fase é o surgimento de Gabriel Mascarenhas Sobral, apontado como lobista do grupo a atuar em dois ministérios do governo federal.